ARTIGO | CEL AMAURI MEIRELES
No final de 2003 foi promulgado o Estatuto do Desarmamento, dispondo sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, visando a reduzir o número de homicídios praticados com esse instrumento. A estatística mostrava que esse crime subira de 8.710, em 1980, para 39.325, em 2003.
Em 2005, através de referendo popular, os brasileiros rejeitaram a norma reguladora, porque acreditavam que as armas legalizadas não seriam responsáveis por engrossar a estatística de crimes, mas as dos bandidos. Além do mais, abrindo mão do seu direito de autodefesa, sentiram-se em situação extremamente desvantajosa em relação à ousadia e à crueldade dos marginais.
Está na pauta da Câmara dos Deputados Projeto de Lei que, aprovado, revogará citado estatuto e dará lugar ao Estatuto de Regulamentação das Armas de Fogo. Um propósito fundamental é corrigir o atual desequilíbrio entre a população de bem, relativamente desarmada, e a bandidagem, fortemente armada.
A lembrança desses dois fatos nos remete à constatação de que as pessoas continuam automedicando-se e de que a taxa de homicídios continua elevada. Isso, certamente, deve-se ao fato de o foco da propaganda e, também, do objetivo da política criminal vigente estarem errados, equivocados. Visam a reduzir “o que” está acontecendo, quando, na verdade, deveriam ter como alvo “o por que” está acontecendo.
Um dos assuntos discutidos atualmente em nosso país é a maioridade penal. Há, inclusive, uma Comissão Especial para analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que passa de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis) a imputabilidade penal. Por que não 17(dezessete) anos ou 15,5(quinze e meio) anos? Por que punição por idade cronológica e não pelo critério biopsíquico, pelo qual seria apurado se o jovem tinha capacidade real de entender o caráter criminoso do fato. Em caso positivo, responderia como adulto, com atenuações; em caso negativo, responderia pelo ato infracional.
Acredita-se que, mais uma vez, caminha-se na direção errada. É fato irrefutável que muitos jovens, entre 16 e 18 anos, estão cometendo crimes (homicídios e assaltos, principalmente) com enorme frieza, com abominável covardia, chocando a sociedade brasileira. Dessa forma, é absolutamente aceitável que o povo, movido pelo senso comum, exija a redução da maioridade. Porém, quem é da área da defesa social ou quem é legislador não pode girar o polegar para baixo, somente para atender o clamor da massa. Tem, sim, a obrigação de tratar essa questão sob o enfoque técnico e a perspectiva científica. O primeiro aspecto a ser investigado é “por que” adolescentes estão transformando-se em criminosos? Porque passa despercebido o fato de, excluído socialmente, esse marginalizado estar sendo empurrado para a marginalidade. Por quê?
Por vários motivos. Porque está em andamento um processo de desagregação do modelo familiar tradicional em um ambiente no qual não se encontram outras âncoras, tais como a instituição-escola, o sentimento de pertencimento nacional ou a religião. Sozinho, o jovem é cooptado pelas “más companhias”. Porque, é bom lembrar, o tamanho da população carcerária brasileira, em termos mundiais, é extremamente elevado, sem se contar o número de mandados de prisão não cumpridos, que só aumentaria com a entrada dos adolescentes. Porque a rede de proteção estatal, reunindo os direitos à saúde, à educação, à moradia, ao lazer, à segurança e à infraestrutura, mostra-se esgarçada, quando existe. Porque essa distopia estatal (funcionamento anômalo dos órgãos estatais) enseja postura inversa à desejável, com o surgimento de regras e valores específicos, peculiares à comunidade em que esse menor se insere, cuja obediência é maior do que aos valores sociais. Porque esse jovem deliquente não frequenta qualquer igreja e, por isso, não é tocado pela fé, pelo amor, pela fraternidade. Porque em razão de má formação do caráter e deformação da personalidade, sua vida é pautada pelo desrespeito e pela desobediência. Porque a redução da maioridade penal poderá mascarar, mas não irá acabar com a inépcia estatal, fator gerador de adolescentes criminosos.
Entende-se que a questão da violência praticada pelos menores deve ser conduzida em duas frentes: a primeira é da punição, que deve existir, aos atuais menores infratores. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é um ótimo ponto de partida e não tão bom ponto de chegada. Sua concepção é lógica, sua operacionalização é uma vergonha. Necessita, sim, de mudanças que permitam mais rigor e vigor na aplicação das medidas socioeducativas, independentemente da idade cronológica, além de efetiva estrutura administrativa e logística que, no momento, é uma verdadeira ficção. A outra frente é a da prevenção. E a Educação Integral em Escola Integrada é uma estratégia que pode assumir a liderança na formação dos futuros cidadãos brasileiros.
Portanto, se não se estancar a sangria do descaso com a criança em situação de risco hoje, que pode transformar-se no adolescente em conflito com a lei de amanhã, não há como diminuir o eterno crescimento da criminalidade juvenil no Brasil.
A solução não é reduzir a maioridade penal, mas aumentar o contingente de verdadeiros cidadãos. E os educadores são peças fundamentais, são alicerces nessa empreitada!
Enfim, chega de agir pelo senso comum, chega de tomar remédio errado!