O CARANDIRU E A COPA DE 2014

De passagem, algumas considerações.

Toda instituição tem um elenco de missões a serem cumpridas por seus integrantes. E, em não o sendo, há um elenco de punições vinculadas a específicas violações de normas. O exercício de um cargo público implica em responsabilidade. Em toda sociedade democrática, nas situações críticas, o governo chama a si a responsabilidade por decisões que impliquem em impor ou restabelecer a ordem através do uso extremo da força. As responsabilidades de nossos políticos são difusas e as punições são virtuais. Por isso, jamais se responsabilizaram pelas intervenções drásticas da força policial, que redundaram em perda de vidas humanas, na maioria dos casos, de pessoas que faziam reivindicações justas, ainda que, em alguns casos, de forma errada. Se quisermos dar um passo adiante na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática, é preciso cobrar dos governantes a responsabilidade politica por todos os atos das agências e/ou instituições sob seu governo.

O sistema prisional (que já começa errado pelo nome, pois, na verdade, é um sistema de administração penal) constitui-se numa dessas questões político-sociais crônicas, que só chama a atenção dos governantes quando o caos se instala. O Carandiru, apesar de avanços científicos e tecnológicos mundiais, era, à época do massacre, um gigantesco e anacrônico estabelecimento penal na cidade mais rica do Brasil. Apelos para sua demolição só foram ouvidos quando de lá saíram os 111 cadáveres, numa das maiores tragédias penitenciárias do mundo. Ao final do julgamento, mais de meio milênio de cadeia para os policiais que lá foram resolver o problema, sem preparação técnico-tática, que, felizmente, os agentes da Polícia Penal, hoje, já têm. Porém, nenhum político foi responsabilizado.

O governo não tem a intenção de cancelar a Copa de 2014. Então, considerando tudo aquilo que se viu durante a Copa das Confederações, deveria adotar medidas corretivas e proativas. As periféricas, anunciadas até agora, foram rejeitadas ou não tiveram o andamento esperado. Convém jogar luz na Lei da Copa, sub judice no STF, em razão de Ação Direta de Inconstitucionalidade, oposta pela Procuradoria Geral da União. Com base nessa lei capenga, a polícia irá montar o escudo de proteção da FIFA, origem de confrontos, com todas as consequências negativas. Em 2014, serão 64 jogos, 32 seleções, 12 cidades-sedes, turistas nacionais e internacionais, infraestrutura necessária sendo preparada no sufoco. E, é claro, o atropelo de última hora torna tudo mais confuso e reforça a indignação, principalmente com suspeitas de superfaturamento, pronta para explodir. E aí?… Os incompetentes vão chamar a polícia? Certamente, no quesito planejamento estratégico relativo à administração penal, à Copa de 2014 e à fixação de prioridades nos gastos públicos, nosso país levou bomba.

Especificamente, em relação à segurança, conviria, desde já, planejar a proteção de eventuais manifestações pacíficas, identificar e prender arruaceiros mascarados, combater o tráfico de armas e drogas e, principalmente, trabalhar o aspecto subjetivo da insegurança. Sem alarmismo, há que se estar preparado, inclusive, para a evolução de um quadro de perturbação pública para o de grave perturbação da ordem pública, decorrente de distúrbios ou de desastres. Efetivos específicos devem ser aumentados e treinados, sem se esquecer da demanda rotineira. Segurança na Copa de 2014 é um tema complexo, para exame do Conselho de Defesa Social, que, lamentavelmente, continua alheio, omisso, inerte, absurdamente satisfeito por estar no CTI.

Nas recentes manifestações, a polícia mostrou profissionalismo, prudência e, sobretudo, paciência extrema. A imagem de manifestantes jogando água nos PMs de Brasília, no Congresso, é emblemática. Quem vivenciou situações semelhantes sabe que o desgaste da tropa é imenso. Dias e dias sob violenta tensão, sem saber o que a espera, quando a fumaça baixar. Quantos mortos e feridos, depois dos confrontos, evitáveis na fase de conflitos, que exige intervenção e solução política? A força estadual será louvada ou execrada? São situações que a disciplina e o exercício do comando são colocados à prova, em situação real, premente, não mais hipotética. E, a posteriori, ainda há o risco de decisões técnico-administrativas serem escrachadas por quem tem experiência de chefia, mas, não tem a de comando: o Comandante Geral da PM do Rio de Janeiro ousou recompensar o sacrifício de seus comandados, relevando-lhes pequenas transgressões da disciplina. Foi destituído porque não teve autonomia para operacionalizar atos, visando o moral da tropa. Sucumbiu ao fogo amigo!… Felizmente, em Minas Gerais, o Comandante Geral e o Chefe da Polícia Civil têm autonomia, isto é, não são subordinados ao Secretário de Defesa Social e, sim, diretamente ao governador. Menos mal, embora o ideal é que fossem instituições autônomas, semelhante ao Ministério Público, claro, sem a subserviente lista tríplice.

Enfim, o cerne da indignação que ocupou nossas ruas – a falta de ética na política e a inversão de prioridades em investimentos públicos – foi um alerta que, ainda, não está sendo considerado corretamente pelos políticos. Começando pela Educação, ou melhor, pela valorização do educador. Pelo andar da carruagem, em 2014, de novo, vai sobrar para a polícia. No horizonte, o espectro do Carandiru!…

(*) Coronel Reformado da PMMG – Ex-Comandante da Região Metropolitana de BH
(**) Coronel Reformado da PMMG – Ex-Chefe do Estado-Maior da Região Metropolitana de BH

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