ARTIGO: POLÍCIA ALGEMADA
Em nosso país, certamente, um dos maiores fatores de intranqüilidade – aqueles que atuam intensa e destrutivamente, afetando a harmonia e a paz sociais – é a criminalidade, particularmente a violenta.
Diariamente, a mídia noticia crimes estarrecedores, mostra a ousadia e a desfaçatez de seus praticantes e detalha os requintes de crueldade, de covardia com que são cometidos. A cada acontecimento, a cada ocorrência surgem ciclos específicos, muito semelhantes, estanques, individualizados (o que enfraquece a reação), nos quais podemos pontuar: a revolta, a indignação, o sofrimento, a angústia, o clamor às autoridades, a inquietação, a decepção, a resignação popular; policiólogos fazem análise técnica dos fatos; policiocratas veem o momento oportuno para desovar seu besteirol; a polícia fardada afirma que sua missão é inibir vontade e obstaculizar oportunidades de delinqüir, suplantada quando o criminoso é obstinado; a polícia judiciária demonstra que, se recursos logísticos e administrativos lhe fossem adequadamente repassados, os resultados seriam outros; a polícia penal se queixa de que ainda não há o reconhecimento constitucional da atividade, o que lhe dá autoridade parcial; o governo apressa-se em afirmar que está adotando providências para melhorar as polícias.
E é aí que surge a Polícia Algemada!… As algemas são o conhecimento parcial de uns e o desconhecimento de outros sobre o crime (principalmente, causas e efeitos) e sobre, minimamente, o que é, o que faz, como, por que e para que trabalha a Instituição-Polícia. E isso vem gerando providências paliativas.
É importante o governo instrumentalizar suas polícias, mas o fundamental é pesquisar e atacar as causas da criminalidade violenta!…
Se se avançar no passado, veremos que a violência da criminalidade passou a ser matriz de insegurança em nosso país exatamente no início da década de 1970. Já em 1972, com a assustadora elevação das taxas de criminalidade violenta e para caracterizá-la, a mídia cunhou a expressão “violência urbana”. Tratada inicialmente como um problema de polícia, estes órgãos foram duramente criticados, à época, pela incompetência em não frear a espiral da violência. Posteriormente surgiram argumentações e demonstrações de que a questão não era apenas policial, mas, também, socioeconômica, em decorrência do inchaço das grandes cidades. Esta tese vem perdendo substância, na medida em que fica clara a nítida diferença entre marginalizado e marginal (nem todo bandido é pobre, nem todo pobre é bandido), fortalecendo o entendimento de que estamos diante de um fato sociopolítico. Isso porque, a cada dia, percebe-se o enfraquecimento de referenciais sociais básicos: a ordem social (estrutura e funcionamento do grupo social) e o caráter social (elenco de valores a serem respeitados e de regras a serem obedecidas). E a inobservância de valores e regras ocorre por deficiência na conduta ética de parte da população brasileira.
Vistas essas causas, deparamo-nos com graves efeitos: o abandono de nossas crianças e adolescentes, principalmente os de periferia, surgindo o menor em situação de abandono, daí o menor em conflito com a lei e, ao fim, o menor infrator; o surgimento de espaços – bunkers modernos – abandonados pelo Estado que tiveram o vácuo preenchido pelos traficantes e milicianos e onde, hoje, a polícia tem dificuldade de alcançar; expressivo número da população urbana sobrevivendo nas ruas ou em aglomerados, em razão da distopia estatal (funcionamento anômalo de órgãos estatais), sendo vítima fácil, quando não cooptada pelo terror dos criminosos; a crise na execução penal, quer na judiciária (pela benignidade das leis), quer na administrativa (procedimentos anacrônicos, em alguns Estados), desaguando na queixa generalizada de impunidade; a infeliz exaltação do abominável bandido e a execração do imprescindível policial.
Há outros efeitos, mas vamos ocupar-nos desse último, que tem origem em uma equivocada interpretação de pseudodefensores dos “direitos humanos”, onde o uso da força, ainda que moderado e dentro dos limites da lei, é uma ofensa indevida.
A tese de que “qualquer um é inocente, até prova em contrário” não tem tido ressonância em alguns setores políticos e sociais, com prejuízos para o policial. Internamente, antes de ficar esclarecido se o representante do Estado agiu ou não conforme as excludentes de criminalidade, em sua defesa ou de terceiros, às vezes ele é retirado das ruas e submetido a inquérito. Perde a sociedade, pois terá menos policiais nas ruas e perde a Instituição-Polícia, pois, a partir daí, seu integrante poderá titubear frente o perigo (podendo até perder a própria vida) ou, na dúvida, poderá omitir-se. Esta postura somente fortalece o bandido! Já está passando da hora de os governos, as polícias retomarem a concessão de elogios, notas meritórias a seus integrantes e darem publicidade à atividade que exige de seus executores, às vezes, o sacrifício da própria vida. É hora de os comandantes reafirmarem que, em princípio, toda ação policial será considerada legítima e legal. E que somente haverá punição ao final da apuração, se provada culpa ou dolo. A par de a imprensa divulgar e difundir ações exitosas.
Chega de posições externas – inadequadas, lastreadas na demagogia hipócrita, na retórica populista e na retaliação oportunista – pretenderem influenciar na estratégia e na ação da polícia. A hora é de tirar-lhe as algemas e deixá-la proteger a sociedade, usando a energia compatível com a insolência do enfrentamento, respondendo profissionalmente à ousadia do confronto.
O policial tem de trabalhar, em defesa social, convicto de que há uma sólida retaguarda a ampará-lo.
Escrito por Cel Amauri Meireles