ARTIGO CORONEL AMAURI MEIRELES – O ENIGMA DO ORÇAMENTO

“Ainda há tempo para uma minuciosa revisão?”                             Amauri Meireles (*)

 

Insegurança, ao contrário do que muitos pensam, não é um fenômeno peculiar do Brasil, de suas grandes cidades. É um ambiente inconteste em qualquer parte do mundo, decorrente de tipos de ameaças à preservação da vida e à perpetuação da espécie humana, que fluem em vulnerabilidades no tecido estatal que recobre povo, território e governo.

Essas ameaças podem ser juntadas em cinco grandes troncos, que são a exclusão social, o crime, os desastres, as desídias e as comoções estatais. Observando-se vários países, constata-se que cada um tem uma ameaça específica, denominada matriz de insegurança. Por exemplo, nos EUA, é o terrorismo. E, no orçamento americano de 4,1tri de dólares, 700bi (16,6 %) estão destinados à Defesa. Em países europeus, que já sofreram atentados terroristas, também há preocupação com a defesa. No orçamento/2017 da Alemanha, de 1,5tri de dólares, foram previstos 48bi (3,2%); na França, no orçamento de 1,4tri de dólares, existe a previsão de 35,0bi (2,5%) e no Reino Unido, para um orçamento de 1,1tri de dólares, a previsão é de 45,7bi (4,15%). Em países do BRICS, os números (em dólares) são: na Rússia, 84,5bi (4,5% do PIB); na China, 215,7bi (1,9% do PIB); na Índia, 55,9bi (2,4% do PIB); na África do Sul, 4,9bi (1,69 do PIB. No Brasil, para 2018, em um orçamento de 3,57 trilhões de reais (1,1tri dólares), estão previstos 100,7bi de reais (32,25bi dólares, ou 2,87% do orçamento, ou 1,5% do PIB) para a Defesa de 7.300km de fronteira molhada, 16.886 km de fronteira seca, da maior biodiversidade do planeta, de uma invejável geodiversidade explorada de forma indevida e inadequada (que vem redundando em enormes prejuízos para nosso país), e de uma população de 208mi habitantes, com densidades muito heterogêneas. Ainda que nossa matriz de insegurança seja a violência, bipartida em violência da exclusão social e violência da criminalidade, é importante lembrar que ela pode ser afetada por vulnerabilidades na Defesa, em razão do tráfico de drogas e de armas e da exploração predatória e ilegal.

A curiosidade nos impeliu a pesquisar melhor a LOA-2018 (Lei Orçamentária Anual), que fixa metas e prioridades do governo. Um balaio de gatos, para quem é leigo nessa matéria! Contudo, o fato de ser neófito, mas persistente, nos permite seguir uma linha de pesquisa que, às vezes, nos leva a informações despercebidamente relevantes. P.ex., são destinados 699,5 bilhões para o Ministério do Desenvolvimento Social – MDS – (19,95% do orçamento); desse valor, 596,3bi vão para o Fundo do Regime Geral de Previdência Social, 15,9bi encargos especiais obrigatórios e 86,9bi para a assistência social. Neste último estão orçados 23,8bi para assistência ao Idoso e 31,1bi para assistência ao Portador de Deficiência, o que é ótimo, porém, pasmem, para assistência à Criança e ao Adolescente a verba é de 0,6bi e para a assistência Comunitária (?) é de 30,3bi, sobrando em torno de 1,0bi de verba não carimbada (destinação pré-fixada). O então Ministério da Justiça e Segurança Pública tem destinados 15,9 bilhões (0,45%) dos quais deve repassar para o novo Ministério da Segurança Pública, 570,2mi do Fundo Penitenciário (FUNPEN), 944,6mi do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e 128,3mi do Fundo Nacional Antidrogas (FUNAD), totalizando 1,64 bi. Para o Ministério da Educação há previsão de 109 bilhões (3,11%) com destaque para os programas de Educação Infantil 260,5mi, Educação de Jovens e Adultos 91,0 mi e Educação Básica 6,3bi. Para os ministérios, que têm maior compromisso na contenção das duas já citadas mazelas brasileiras, estão destinados, portanto, 8,3bi, o que representa, com um olhar extremamente condescendente, apenas 0,24% do orçamento destinados para mitigar a exclusão e o crime. E, pior, são empregados em muitos programas que dão o peixe e em poucos que ensinam a pescar. Por exemplo, em razão de um grande número de pais trabalhar o dia inteiro, fora de casa, surge nas cidades um grande contingente de crianças e adolescentes que estudam em um período do dia e, no outro, vão para o ócio das ruas, por falta de estrutura que permita ter ensino suplementar, realizar atividades esportivas ou, simplesmente, utilizar áreas de lazer. São vazios que facilitam a cooptação pelo crime!

Por que não priorizar programas, na educação e na contenção da violência, como a educação integral em escola integrada, programas de restauração da dignidade e autoridade de professores e assistentes sociais, na operacionalização da execução penal, seja jurisdicional, seja administrativa e, também, no treinamento e no reequipamento das polícias? Como? Na lei do orçamento há uma abordagem sobre a tal dívida pública, item que necessita ser melhor esclarecido para a população, pois, acredito, poucos sabem o que é, do que se trata.  Atualmente ela está em 1,5 trilhões.  Repito: 1,5 trilhões. Há previsão de o Brasil pagar de juros dessa dívida, este ano, o valor de 316bi, o que representa 9,0 % do orçamento, ou, aproximadamente, 4,8 % do PIB (6,51tri, em 2017), sendo que os credores tratam diferentemente os devedores, variando as despesas com juros, como 0,9% do PIB, Japão, a 2,5%, França. Quem e como se chegou a esse número da dívida? Quem e por que fixou o valor dos juros a serem pagos, que é 38 (trinta e oito) vezes o valor destinado à contenção de ameaças que são matrizes de nossa Insegurança ou, ainda, 03 (três) vezes o orçamento do Ministério da Educação?  Se um país realiza e estimula investimentos, que aumentam o PIB e fazem a dívida e os juros caírem, surge dinheiro para novos investimentos e por aí vai, em um ciclo virtuoso. E, certamente, a Educação tem papel relevante, conforme o Art.205 da CF, pois visa “… ao pleno desenvolvimento da pessoa para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Então, temporária e minimamente, por que não somar as duas cifras (juros da dívida e investimentos na contenção da exclusão e da criminalidade), dividir por dois, ensejando surgimento de mais recursos para programas que reduzam essas mazelas e, ainda, cumprindo o compromisso de pagador?

É possível que algum dado, aqui mostrado, não esteja precisamente correto. Pede-se ao leitor que releve alguma discrepância, visto que o objetivo não é mostrar números, mas, sim, suscitar questões relativas ao montante e à prioridade destinada a certas ações que, revisadas, podem gerar valores para emprego na redução da exclusão e da criminalidade. P.ex., como o Trump reduziu 110bi/dólares da dívida americana, em 09 (nove) meses, e o Brasil, em 2017, teve aumentada sua dívida pública federal, que inclui os endividamentos do governo dentro do Brasil e no exterior, em R$ 447,15bi (aumento de 14,3%) para R$ 3,55 trilhões. Quem e fundamentado em que estabelece a ordem do que é prioritariamente importante para ser incluído no orçamento? Como por exemplo, dentre várias dúvidas, de que se trata o prescrito no Programa 0910, Operações Especiais, de um total orçado de 1,4bi, há o valor de 0,78bi para a Ação 00M4, com o título Remuneração de Agentes Financeiros? Ou no Programa 0909, Operações Especiais – Outros Encargos Especiais, em que há a previsão de 75,75bi, na Ação 0669, para a Cobertura do Resultado Negativo Apurado no Banco Central do Brasil (Lei Complementar nº 101, de 2000)? Uai, o BC teve lucro de 26bi, em 2017! E aí? A exemplo dessas, há outras ações que necessitam ser questionadas e, quem sabe, revisadas e desconsideradas, o que, certamente, somadas, resultaria em valores para serem remanejados, permitindo reequipar nossas FFAA, a Força Nacional, as Polícias do Brasil, reestruturar o sistema penitenciário, restaurar a dignidade salarial do educador e do assistente social, além de elaborar programas para jovens e adolescentes.

A lei do orçamento, documento dos mais importantes em nosso país, transitando quase que despercebidamente, tem ares de caixa-preta, visto o absurdo de ser vetada uma auditoria pelo senhor presidente. Por quê? É um documento que deveria ter sido discutido, debatido e elaborado por pessoal independente, integrando comissão de altíssimo nível, de forma transparente, composta por representantes do primeiro, segundo e terceiro setores. Certamente, com todo o respeito que a Bíblia merece, essa lei do orçamento é o nosso santo livro fiscal, que deve garantir efetividade na gestão do dinheiro público.

(*) Coronel Reformado da PMMG

Foi Comandante da Região Metropolitana de BH

 

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