CANDIDATOS LEVAM SEGURANÇA A PLANO FEDERAL, MAS SEM DETALHAR ORÇAMENTO
Presidenciáveis prometem investir em inteligência e chamam para si competência de estados
Da Folha de São Paulo
Os índices de violência do Brasil bateram níveis recordes, com 64 mil assassinatos em 2017, e a segurança pública se tornou tema central no debate eleitoral. Em comum, em seus programas de governo os candidatos à Presidência da República puxam para o plano federal o problema da segurança e prometem aumentar investimentos. Não detalham, contudo, de onde sairão os recursos em um momento de restrição orçamentária.
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A segurança é a principal bandeira do líder das pesquisas Jair Bolsonaro (PSL), que propõe rever o Estatuto do Desarmamento e reduzir a maioridade penal para 16 anos —essas discussões competem ao Legislativo, o presidente pode apenas propor projeto de lei e articular sua aprovação. O plano é considerado raso por pesquisadores em segurança ouvidos pela Folha.
Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes, por sua vez, trazem planos de governo com estratégias mais detalhadas. Propõem a criação de protocolos nacionais para registro de dados de segurança e a criação de uma polícia para as fronteiras, respectivamente.
Geraldo Alckmin (PSDB) e João Amôedo (Novo) estipulam metas para a redução de homicídios, enquanto Fernando Haddad (PT) fala da atuação da Polícia Federal no combate ao crime organizado.
Os candidatos são uníssonos ao dizer que é preciso aumentar as ações de inteligência das forças de segurança, mesmo que o grosso desse trabalho seja de responsabilidade dos estados, como a gestão da Polícia Militar (que faz o policiamento ostensivo nas cidades) e da Polícia Civil (investigação de crimes).
Bolsonaro quer investir em equipamentos e inteligência; Haddad, construir um sistema de inteligência fundado em alta tecnologia. Ciro defende uma Escola Nacional de Segurança Pública; Marina também propõe implantar um sistema de inteligência e fala em aumentar o efetivo militar; Alckmin quer criar uma Guarda Nacional.
Governo gasta menos de 1/3 dos recursos destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública.
Em comum: não explicam de onde sairão os recursos. A Folha questionou as campanhas, mas os três candidatos mais bem classificados nas pesquisas não responderam.
Alckmin, em quarto lugar, respondeu que não virão recursos suplementares em 2019 e que é preciso gerir melhor as verbas disponíveis.
Marina, em quinto, disse apostar na retomada do crescimento do país e na priorização dos investimentos em segurança, educação e saúde.
“Cada candidato tem um economista para chamar de seu e o programa acaba sendo a vitrine. Mas o debate da segurança não tem sido travado com a mesma seriedade. Parece que é só colocar um monte de intenções sem explicitar como serão atingidas e isso já é um programa de governo”, critica Samira Bueno, pesquisadora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade que reúne especialistas no tema.
Apesar da discussão sobre a esfera de responsabilidade, o governo federal tem ampliado a participação na área ao colocar as Forças Armadas para atuar na segurança pública em casos de crise, ao usar a Garantia da Lei e da Ordem (como no Rio Grande do Norte no começo do ano, durante greve da PM), com a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro e com a criação do SUSP (Sistema Único da Segurança Pública), subordinado ao novo Ministério da Segurança Pública.
Segundo dados do Fórum Brasileiro da Segurança Pública, o país gastou R$ 84,8 bilhões com segurança em 2017.
Os estados foram responsáveis por quase toda essa despesa (R$ 69,8 bilhões), enquanto a União gastou R$ 9,8 bilhões —os municípios financiaram o restante, cerca de R$ 5,2 bilhões.
Segundo Samira Bueno, mais de 80% dos gastos do governo federal em segurança vão para custeio das polícias federais e pagamento de diárias de agentes da Força Nacional.
O pouco que sobra pode ser repassado aos estados por meio de convênios. Samira ressalta que, em geral, os recursos não chegam ao Norte e ao Nordeste, que têm os maiores índices de violência.
“Historicamente o Sudeste tem ficado com a maior parte dos recursos, não obstante já serem os estados com maiores orçamentos. São estados que gastam bastante, mas não são os que mais precisam”, diz.
Para o economista Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e coordenador do Atlas da Violência, é com o financiamento que o governo federal pode induzir a adoção de políticas de segurança nos estados, condicionando a liberação de verbas.
Além disso, diz ele, é importante que o governo capacite os estados e crie protocolos nacionais de atuação. “Cada estado fala uma linguagem, classifica as coisas de forma diferente. Tem que haver um sistema padrão.”
“O governo federal não conseguiu divulgar nenhum dado de segurança até hoje. Nos Estados Unidos, em 1929, eles criaram o UCR [sistema de dados de criminalidade do FBI]. Não tinha nem Excel na época! Estamos 89 anos atrasados”, diz Cerqueira, que destaca o SUSP como uma boa iniciativa, “que ainda é um protocolo de intenções, mas se o próximo presidente seguir, estará na direção correta.”
O SUSP é uma iniciativa do governo Temer que entrou em vigor em julho deste ano. O programa prevê a criação de sistemas de compartilhamento de informação entre as forças policiais e entre os estados, além da criação de um banco de dados nacional sobre criminalidade, nos mesmos moldes do Datasus (do Sistema Único de Saúde).
A lei que criou o SUSP, já aprovada no Congresso, restringe o acesso a recursos e parcerias com a União a estados que não enviarem informações sobre criminalidade, assim como aos que não elaborarem em dois anos um plano de segurança pública.
O professor da UFPE (Universidade federal de Pernambuco) José Luiz Ratton, criador do programa pernambucano de redução de homicídios que em seus primeiros anos fez despencar o número de mortes no estado, destaca que as propostas dos presidenciáveis têm focado o plano policial. “Isso é reflexo do debate da construção de políticas públicas”, afirma.
Ele diz que é preciso que o governo federal atue permanentemente em conjunto com os estados e elogia um ponto em comum nos programas de Haddad, Alckmin, Marina e Ciro, o controle na circulação de armas, que, diz ele, “são os vetores da violência no país”.
“A solução para segurança pública no Brasil não pode ser episódica, não pode ser reativa a casos de maior visibilidade de um crime ou outro. Deve colocar em prática soluções estruturais. Este país não pode matar 64 mil pessoas por ano, jovens, pobres, homens e mulheres negras, e ficar indiferente para isso.”
PESQUISA DATAFOLHA
Pesquisa Datafolha realizada em setembro mostrou que, para os eleitores brasileiros, os principais problemas do país hoje são a saúde e a violência.
Segundo o levantamento feito com eleitores de todas as regiões do país, 23% apontaram a saúde como principal problema do país, enquanto 20% acreditavam ser a violência. Na pesquisa anterior, realizada em junho, esses números eram 18% para saúde e 9% para violência.
A saúde foi apontada como o principal problema do país por 28% das mulheres e 18% dos homens e é mais citada conforme diminui a renda familiar mensal do entrevistado, sendo escolhida por 14% entre os mais ricos e 25% entre os mais pobres.
A saúde também é o problema mais lembrado entre os moradores das regiões Sudeste (24%), Sul (27%) e Centro-Oeste (29%), e nas demais regiões dividiu a liderança com o problema da violência. Por sua vez, a violência é o principal problema do Brasil para os que têm renda familiar mensal de mais de 5 a 10 salários mínimos (26%), faixa na qual 18% mencionaram a saúde.