Artigo Cel Amauri Meireles – POLÍCIA E VULNERABILIDADES INSTITUCIONAIS
Corriqueiramente, no Brasil, escuta-se que há problemas endêmicos na área da Segurança Pública. Para os policiólogos, que estudam a salvaguarda social – uma vertente da defesa social – e os instrumentos e os mecanismos de provimento da proteção, há, de fato, essa endemia. Divergem quanto à origem!
Discordam da tese de que ela estaria no atual sistema de segurança pública visto que, além de o próprio conceito de segurança pública ser nebuloso, há vários órgãos trabalhando nessa temática, isoladamente, em maioria, isto é, sem que suas ações estejam sistematizadas, harmonizadas. Assim, inferem não haver um efetivo sistema.
E, nessa linha, entendem que o desafio mais forte, mais intenso, mais grave é desmitificar e desmistificar o pensamento corrente, um paradigma cruel de que “Criminalidade é problema da Polícia!…”
Não, não é! Aceitável, se houvesse o complemento “também”. Isso porque a Criminalidade é uma das cinco ameaças-tronco (as demais são a exclusão social, os desastres, as desídias sociais e as comoções sociais) ao organismo social, que eclodem em razão de vulnerabilidades no tecido social, formado pelas instituições (daí vulnerabilidades institucionais).
Portanto, é injusta a afirmação de que os índices de criminalidade aumentam na proporção da incompetência das Polícias, visto que essas instituições têm reduzidíssimo domínio sobre suas causas e seus efeitos. Lembrando que efetividade (qualidade na operacionalização de seus objetivos institucionais) é um dos requisitos de Polícia.
É extremamente importante lembrar que as Polícias não trabalham, apenas, na contenção criminal. Têm a responsabilidade de garantir a ordem, ou, de outra forma, de impedir e/ou restringir a desordem. Elas trabalham na causalidade, isto é, no vértice para onde fluem causas e refluem efeitos das mazelas e das contradições sociais, com destaque para fome, miséria, desemprego, violência, adensamento populacional, distribuição de renda, infraestrutura (abastecimento de água, rede de energia elétrica, de comunicações, rede de esgoto e equipamentos como escolas, hospitais, postos de saúde e outros).
Ocorrendo o fenômeno da distopia estatal – funcionamento anômalo de órgãos estatais – há o surgimento de marginalizados que, se não têm atenção estatal, ou se não são bem orientados, podem transformar-se em marginais. Oportuno ressaltar que marginal não é, necessariamente, um estágio avançado de marginalizado. Afinal, nem todo marginalizado é marginal, nem todo marginal é marginalizado. Lamentavelmente, porém, quando emerge uma ameaça, surge, quase que simultaneamente, a solução simplista de jogar a culpa nas Polícias, em vez de corrigir as distopias estatais.
Convém lembrar, ainda, alguns outros vetores de marginalização e de marginalidade, como a rasa cidadania (exercício de direitos e cumprimento dos deveres), a desobediência às regras sociais, o desrespeito a valores éticos, o menosprezo a valores morais. A título de exemplo, observe-se que, em outras culturas, com destaque para muitas orientais, onde esses aspectos são rigidamente observados, os índices de homicídio são baixíssimos.
Até bem pouco tempo, a essência doutrinária de Polícia provinha, em grande escala, das Ciências Jurídicas e das Ciências Sociais. Com o recente reconhecimento do MEC de mais um ramo do conhecimento, as Ciências Policiais, é de se pressupor que, a par de se agradecer àquelas o extraordinário legado, haverá uma natural ventilação, na área da Salvaguarda Social. O fundamento estaria no conhecimento de policiólogos, aliada à expertise decorrente da sabedoria acumulada com a experiência profissional.
Por Coronel Veterano da PMMG, que foi Comandante da Região Metropolitana de BH