Artigo: As doenças do coração no pós-Covid 19: é preciso conhecer
As doenças do coração no pós-Covid 19: é preciso conhecer
Ten-Cel PM QOS Médica Sônia Francisca de Souza,
Cardiologista colaboradora do Departamento dos Militares de Saúde
A pandemia funcionou como desculpa para que pessoas justificassem hábitos pouco saudáveis. Comer em demasia, tomar mais bebida alcóolica e fazer menos (ou nenhuma) atividade física são comportamentos que afetam diretamente a saúde cardiovascular a médio e longo prazo. Problemas cardiovasculares podem ter surgido em decorrência da infecção e também por maus hábitos cultivados na pandemia.
A pesquisa “Doenças Crônicas e Seus Fatores de Risco e Proteção: Tendências Recentes”, realizada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), mostrou que, enquanto em 2019, a obesidade atingia 20,3% dos adultos nas capitais do país, em 2020 a doença passou a afetar 21,5% desse grupo, com maior prevalência nos estados do Sul, Sudeste e Nordeste. Manaus (24,9%), Cuiabá (24,0%) e Rio de Janeiro (23,8%) lideram o ranking nesse aspecto. Para ter uma ideia do impacto, até 2011 nenhuma capital brasileira havia ultrapassado 20% no índice de obesos, deixando claro que as medidas protetivas da Covid-19 foram um gatilho para o cenário atual.
E quem teve Covid-19?
Os praticantes de atividades esportivas que foram contaminados pelo novo coronavírus, podem ter herdado sequelas cardiovasculares (sintomáticas ou não), sem que tenham se dado conta. Dessa forma, independentemente do desempenho atlético ou do nível da atividade física, antes de retornar às práticas esportivas, todos devem passar por uma avaliação cardiológica, a chamada avaliação pré-participação (APP).
No documento “Posicionamento sobre Avaliação Pré-participação Cardiológica após a Covid-19: Orientações para Retorno à Prática de Exercícios Físicos e Esportes”, em países que contabilizaram grande número de casos de Covid-19 (Estados Unidos, China e Itália, por exemplo) lesões cardíacas comprometeram de 20 a 30% dos pacientes hospitalizados e foram a causa para 40% das mortes. Entre as complicações cardiovasculares apresentadas, estão lesão miocárdica (20% dos casos), arritmias (16%), miocardite (10%), insuficiência cardíaca congestiva (ICC) e choque (até 5%).
Um outro estudo com hospitalizados pela Covid-19 mostrou que 16,7% desenvolveram arritmia, 7,2% apresentaram lesão cardíaca aguda e quase 12% dos pacientes sem doença cardiovascular prévia apresentaram níveis elevados de troponina T, proteína liberada no sangue quando existe alguma lesão no músculo do coração. O maior risco de morte súbita, está relacionado com a maior intensidade do exercício. Por isso, as recomendações de exames complementares para a APP vão de acordo com o perfil esportivo de cada um: esportistas recreativos, competitivos e atletas. A indicação de exames também varia com a gravidade do quadro clínico.
De acordo com a classificação atual proposta na literatura para os estágios da Covid-19, os doentes se dividem em quadro clínico leve (assintomáticos ou sintomas mais controláveis); moderados (dispneia, necessidade de oxigenação, saturação menor que 92%, internação hospitalar e acometimento pulmonar) e graves (internados em UTI, com ventilação mecânica invasiva, entre outros sintomas). É importante ressaltar que durante a fase aguda da doença, a prática de atividades físicas está proibida.
As complicações crônicas decorrentes da Covid-19 têm sido chamadas de Covid Longa ou Covid tardia, dentre elas as complicações cardiovasculares. Várias entidades representativas das doenças cardiovasculares, têm demonstrado um aumento da incidência de infarto, acidentes vasculares cerebrais, dentre outras doenças cardiovasculares. As explicações para esse fenômeno são complexas e envolvem vários fatores, como comportamentais, genéticos, ação direta do vírus e maior tendência trombótica.
Um estudo publicado nesse ano na Nature – um periódico de excelência em Medicina – acompanhou durante um ano mais de 150.000 pacientes que tiveram Covid-19 em suas várias formas e verificaram um aumento de doenças cardiovasculares nesses 12 meses de acompanhamento. As doenças incluíam doenças cerebrovasculares, doença isquêmica, insuficiência cardíaca, doenças tromboembólicas, arritmias, dentre outras. Vale ressaltar que os riscos foram aumentados independentemente da idade, sexo, raça ou outros fatores de risco cardiovasculares como obesidade, hipertensão, diabetes, insuficiência renal crônica e dislipidemia. O risco também foi aumentado em indivíduos sem doença cardiovascular prévia à exposição ao Covid-19, demonstrando que os riscos de eventos cardiovasculares poderiam se manifestar mesmo em indivíduos de baixo risco para doença cardiovascular.
Espera-se um aumento de doenças cardiovasculares nos próximos anos pós-pandemia, logo a prevenção da infecção pelo coronavírus e o controle dos fatores de risco para doenças cardiovasculares continuam sendo as melhores medidas. Procure seu cardiologista!