Artigo – Avosidade nos tempos modernos

Avosidade nos tempos modernos

No dia 26 de Julho comemoramos o Dia dos Avós. Uma data instituída pela igreja católica, mais precisamente pelo Papa Paulo IV, em homenagem a São Joaquim e Santa Ana, os avós maternos de Jesus Cristo.  Entretanto, os créditos para que as comemorações fossem estendidas para além de uma festa religiosa e abraçasse todos os avós, são dados a uma vovó portuguesa que lutou por mais de 20 anos para que houvesse a valorização desta figura familiar tão importante.

Comumente, os avós são associados a uma figura amável e carinhosa, a quem é permitida uma demonstração de afeto desprovida das cobranças tão necessárias na educação das crianças. Os pais foram feitos para “cobrar” os bons comportamentos e os avós para “estragar” o que os pais ensinam – essa ainda é uma crença popular, apesar da grande mudança que temos testemunhado na vivência do papel de avós nos tempos atuais.

Há algumas décadas, os avós eram vistos como pessoas idosas e improdutivas, normalmente cheias de problemas de saúde e requerendo cuidados extras dos filhos. No entanto, as transformações sociais que marcam os tempos modernos trazem consigo diferentes formas de viver e de se comportar. A ciência descobriu novas formas de lidar com as doenças, além de nos mostrar que os cuidados preventivos podem garantir uma vida mais longa e com maior qualidade em todos os níveis.

Avós atuais: nova imagem, novos comportamentos.

Tudo isso fez com que a imagem que tínhamos de nossos avós necessitasse ser reciclada, assim como foram readequados os comportamentos deles. Pesquisas realizadas no Brasil nos últimos dois anos indicam que cerca de 25% dos idosos contribuem com a manutenção financeira da casa, seja por meio dos recursos de sua aposentadoria, seja com o salário que recebem de alguma atividade profissional que ainda exercem. E um outro aspecto que também se alia a essa informação é a mudança na forma de relacionamento entre avós e netos.

As transformações na composição das famílias, ocorridas a partir da instituição do divórcio, fizeram com que muitos filhos voltassem a viver na casa dos pais após o término de um relacionamento conjugal, em muitos casos trazendo consigo os frutos dessa relação desfeita. As consequências desta nova configuração, no que diz respeito ao desenvolvimento da personalidade destes filhos que agora, via de regra, passam a conviver menos com o pai e mais com os avós, podem ser impactantes e até mesmo negativas se não houver atenção por parte de todos os adultos envolvidos neste processo.

Naturalmente, cada caso é um caso, mas ainda é bastante recorrente nos depararmos com sentimento de culpa por parte dos pais por decidirem se divorciar, acrescidas de outras emoções mais difíceis de lidar como a raiva, a frustração e a sensação de incompetência. Por parte dos avós também é comum que haja comportamentos que denunciam a presença do fantasma da famosa frase “onde foi que eu errei?”. Na sequência vem o raciocínio lógico, por parte de todos os adultos envolvidos, de que as crianças não têm culpa de nada e, por isso, devem ser protegidas de toda emoção com as quais possam não saber lidar. E é esse cenário que se torna propício para uma educação com ausência de limites claros.

 Afinal, quem deve educar: os donos da casa ou os pais das crianças?

Pensando em blindar os netos, muitas vezes os avós deixam de chamar a atenção até mesmo quando os pequenos estão invadindo a privacidade deles. A tolerância vai se tornando cada vez mais elástica, sobretudo quando há um conflito interno sobre o que lhe é permitido corrigir. Se foi cultivado neles o entendimento de que quem educa são os pais e os avós apenas mimam, como assumir uma postura de autoridade se não é isso o que aprenderam ser seu papel? No entanto, e se os pais, por motivos diversos, não estão conseguindo fazer o que seria da responsabilidade deles, quem deve fazer?

Este é um dilema enfrentado por muitas famílias multigeracionais. A conhecida “ordem natural das coisas” que prevê que os pais criam os filhos até que eles saiam de casa para ter seus próprios filhos, voltando apenas em alguns momentos para troca de afeto e construção de memórias felizes, tem sido frequentemente rompida, colocando a todos numa incerteza sobre o que cabe a cada um nesta nova forma de viver. E como a corda sempre arrebenta no lado mais fraco, aqueles que ainda estão num momento de construção de seus valores e princípios e definição de comportamentos alinhados com seu processo de socialização, tem de enfrentar um desafio a mais.

 É preciso abrir mão de antigas crenças!

É importante encararmos que as mudanças são uma grande certeza na vida. O que foi planejado nem sempre encontrará terreno fértil para sua execução, e a flexibilização de um projeto é necessária e permitida periodicamente. Nesse sentido, o divórcio, a maternidade independente, as novas configurações familiares são uma realidade com a qual precisamos saber lidar.

Não significa que houve erro na educação – cada um faz o seu melhor, a partir daquilo que possui. Os filhos que voltam para casa trazendo os seus filhos para uma convivência diária com os avós e seus velhos hábitos continuam sendo aqueles que tem a responsabilidade por educar e corrigir, permitindo que a avosidade seja também experimentada da melhor forma possível.

No subsistema conhecido por família, quando alguém abre mão de seu papel para assumir o papel de um outro, ainda que seja por amor, está contribuindo para que todos saiam de seu lugar, na busca de achar onde se encaixa. Neste Dia dos Avós, a mensagem que eu gostaria de deixar é no sentido de chamar a atenção deles para que sejam mais flexíveis:

– flexíveis para abrir mão dos projetos construídos com base na educação de seu tempo;

– flexíveis para saber se perdoar por aquilo que não fizeram do jeito que gostariam;

– flexíveis para saber se adequar às escolhas que seus filhos fizeram e que não estão alinhadas com aquilo que eles próprios acreditam.

Se conseguirem não se cobrar tanto a continuidade em fazer as coisas da forma como acreditaram que era o certo, vão conseguir se manter onde devem ficar: o lugar de adultos experientes que podem ser a referência para os mais novos, o suporte quando necessário, e aquele que acolhe num colo que só os avós conseguem ter.

 

Eliene Lima de Souza, Ten-Cel
Diretora do Departamento da Mulher Militar

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