PEC 51 É OPORTUNISMO POLÍTICO
“O pronunciamento oficial da Presidente da República, ocorrido em cadeia nacional de rádio e televisão, no último dia 29 de dezembro, deixou bem claro que segurança pública não é prioridade do Estado brasileiro. Em nenhum momento a área de segurança pública foi citada, mesmo que os prejuízos com a insegurança alcancem, anualmente, cerca de 12% de nosso PIB e 50 mil brasileiros sejam fatidicamente vitimados, segundo pesquisas. Infelizmente a PEC 51 é um oportunismo político idêntico a tantos outros que por vezes, diante do clamor popular, surgem neste Brasil quinhentista. É indubitavelmente mais um apelo midiático”, diz o coronel Júlio Cézar Costa, um dos idealizadores da Polícia Interativa e do Programa de Planejamento de Ações de Segurança Pública (Pro-Pas) e que, em 2012, publicou em parceria com o coronel da reserva remunerada João Antonio da Costa Fernandes, o livro “Segurança Pública: Convergência, interconexão e interatividade social”.
Elimar Côrtes – O que o senhor acha da discussão em torno da PEC 51?
Coronel Júlio Cezar Costa – Antes de responder, propriamente, penso que o debate sobre a desmilitarização da polícia deveria ser, necessariamente, precedido ou mesmo acompanhado por uma ampla discussão sobre o sistema de Justiça Criminal, gênero do qual a Polícia Militar é apenas mais uma das espécies. Não adiantará quase nada reformular, sob quaisquer critérios, as polícias, sem também refletir sobre a excessiva burocracia judicial, a ausência de estrutura para a produção de provas periciais de melhor qualidade, o processo penal enquanto instrumento para aplicação da Justiça – lembremos que no Brasil temos um dos piores índices de apuração de crimes do mundo – entre tantos outros temas pendentes.
A visão de que a segurança pública é um problema apenas policial, e de que todos os males estão somente na polícia, certamente atrapalha a nossa percepção para o verdadeiro problema e sua consequente solução, que deve ser sistêmica e não isolada.
Sou a favor de uma reforma que introduza no sistema de Justiça Criminal do Brasil uma política pública de segurança pública. É bom destacar que tal reforma é necessária e inadiável. No que concerne à PEC 51 sou ativamente contra, pois ela traz um adjetivo como se fosse um substantivo, ou seja, extingue três dos seis órgãos de segurança pública previstos na Constituição Federal de 1988, não alterando nada no conjunto dos demais subsistemas, entre os quais o Penitenciário e oJudiciário, que têm gargalos enormes.
Em países como a Itália, França, Portugal e Espanha existem polícias militares e nem por isto a segurança pública está fora de controle. A PM, o Corpo de Bombeiros e a Polícia Civil não são aúnica causa dos nossos problemas de insegurança pública e é maniqueísta, sobretudo ideológica, a visão de extingui-las como se isto resolvesse o problema crescente de violência criminalizada.
Os problemas de insegurança no Brasil têm raízes telúricas e não são meramente conceituais, ou seja, de investidura militar ou civil, como quer fazer crer a PEC 51. O que nos falta é interesse político em resolver esta questão de forma estrutural e não apenas semântica.
Qual a sua visão sobre a criação da PEC nesse momento?
O pronunciamento oficial da Presidente da República, ocorrido em cadeia nacional de rádio e televisão, no último dia 29 de dezembro, deixou bem claro que segurança pública não é prioridade doEstado brasileiro. Em nenhum momento a área de segurança pública foi citada, mesmo que os prejuízos com a insegurança alcancem, anualmente, cerca de 12% de nosso PIB e 50 mil brasileiros sejam fatidicamente vitimados, segundo pesquisas.
Infelizmente a PEC 51 é um oportunismo político idêntico a tantos outros que por vezes, diante do clamor popular, surgem neste Brasil quinhentista. É indubitavelmente mais um apelo midiático. É bom lembrar que esse debate ressurgiu por ocasião das manifestações populares de 2013, a chamada “Primavera de Junho”, e a atuação das Polícias Militares para a manutenção da ordem pública. Passada a euforia popular, que clamava por reformas políticas, tributárias, eleitorais, sociais, entre tantas outras, a questão ficou resumida apenas ao aspecto meramente policial, como se esse fosse o único de nossos problemas.
É claro que os excessos ou os erros da polícia nesses episódios devem ser tratados à luz da lei, com severas punições aos culpados, conquanto discorde dessa simplificação que perdura desde quase sempre no Brasil, que trata tudo como se o problema fosse a polícia. Reafirmo, necessitamos refletir muito na busca de uma nova formatação policial, mas quem leu os cartazes ou ouviu o clamor das multidões sabe que existem muitas outras reformulações e necessidades paralelas pedidas pelo povo brasileiro.
Pelo jeito, a PEC 51 deixa lacunas…
Deixa inúmeras lacunas. Ela não gerará nenhuma reforma em seu conteúdo, mas inadvertidamente ou não, ela oportuniza a criação da “babel da segurança pública”, pois extingue a Polícia Militar, a Polícia Civil e os Corpos de Bombeiros, deixando à deriva um corpo policial de quase 500 mil homens e mulheres inativos, recebendo salários, preservando direitos e prerrogativas, mas sem qualquer funcionalidade e destinação operacional. Isto fica claro ao se analisar o texto contido no artigo 5º da referida PEC. Esclareça-se que a própria PEC não propõe a alteração do artigo 42 da carta de 1988.
Com a aprovação da PEC 51, como ficariam os seguintes setores:
Extinção da PM, PC e Corpo de Bombeiro Militar: Deixam de existir a Polícia Civil, a Polícia Militar e os Corpos de Bombeiros Militares, e copiando a tradição e cultura inglesa e norte americana, diga-se, a contrassenso de nossa cultura e tradição romana e latina, poderemos vir a ter dezenas, centenas e até milhares de polícias no País, pois cada governador poderá criar quantas policias quiser, e cada prefeito também, respeitando-se apenas a territorialidade.
Só para exemplificar se nos basearmos nos EUA que hoje têm cerca de 23 mil instituições policiais, é claro dentro de outra cultura, aqui poderemos imaginar o que essa PEC poderá provocar, caso aprovada. Sem contar a questão financeira, pois como se sabe a maioria dos municípios brasileiros não possui sequer condições de ofertar, com razoável qualidade, os serviços básicos de saúde, educação, entre tantos outros, determinados pela Consitutição Federal de 88. Fica a pergunta: Como será custear e manter um corpo policial? Sairá esse recurso dos Estados, da União, ou se aumentará ainda mais a carga tributária? São muitas as indagações que a PEC não responde.
Investigação policial: O que se quer instituir é o ciclo único de polícia, o que é algo realmente necessário, mas a PEC é obscura no que se refere à funcionalidade instrumental das novas e inúmeras polícias que poderão ser criadas. Explico: a PEC não extingue o inquérito policial criado em 1871, nem tampouco traz o juizado de instrução, enfim teremos nomes bonitos, conceitualmente corretos, mas a prática continuará a mesma que tem gerado impunidade e abarrotado os Fóruns e Promotorias criminais, impedindo a efetiva realização da Justiça.
Investidura pública dos novos policiais: É mantida a investidura militar para os atuais policiais militares e bombeiros militares e a partir da promulgação da PEC, caso ocorra, todo policial brasileiro terá investidura de natureza civil, tal qual acontecia até 1988, antes da atual constituição.
Hierarquia na polícia: Quanto à hierarquia a PEC trás a expressão carreira única de forma generalizada, deixando a entender que também nessas novas organizações policiais existirão níveis diferentes de autoridade e comando. A PEC propõe a realização de concursos internos de acesso sem especificar a quem se destinarão.
Fiscalização da atividade policial: Outro equívoco da PEC é a proposta de criação de uma super Ouvidoria externa com autonomia orçamentária, administrativa e funcional que não somente poderá vir a concorrer com o que hoje é atribuição do Ministério Público, mas, sobretudo, pretende-se com a criação deste órgão sobrepor atribuições que retirarão dos governadores de Estados e ou prefeitos municipais a capacidade de gerir administrativamente, no campo disciplinar e administrativo essas forças policiais que venham a existir, criando um duplo comandamento das mesmas.
Guardas municipais: Diferentemente do tratamento dado aos Corpos de Bombeiros e às Polícias Civis e Militares que, segundo a PEC, serão extintas, as guardas municipais poderão ser convertidas, a critério de cada prefeito, em polícias municipais, sendo que só com esta atitude já teríamos quase mil e quinhentas novas polícias no País sem qualquer estrutura sistêmica de controle ou integração. As responsabilidades de cada uma dessas polícias municipais tornam-se difusas e desconcentradas.
Prisões: A PEC omite em seu texto qualquer referência a este título, supondo que nada se alterará, mantendo-se o que hoje é prescrito pela atual legislação. É bom lembramos que existem nos dias atuais mais de 280 mil mandados de prisões em aberto e o sistema penitenciário tem um déficit de 238 mil vagas.
Qual o histórico da Polícia Militar no Brasil?
A Polícia Militar tem suas origens nas antigas Maréchaussée (Polícia Montada) que depois, em 1791, foram transformadas em Gendarmarias na França. No Brasil, replicando o modelo francês, foram criadas a partir de 1831, e somente em 1934 passaram a constar na Constituição Federal e hoje, além de atuarem no policiamento ostensivo nos Estados, é também base da Força Nacional de Segurança, que nada mais é do que um misto de policiais de todos os estados do Brasil que trabalham aos cuidados do Governo Federal em conflitos de urgente resolução país a fora.
Fonte: Blog do Elimar Cortes