ENTREVISTA COM O CEL SÓCRATES – PRESIDENTE DO TJMMG
Por isso, porque se sabe da importância da Justiça Militar da sua relação direta com a Segurança Pública e com os direitos de cidadania, ultimamente tem-se constatado que diversas instituições, diretamente vinculadas aos jurisdicionados, inclusive a Associação dos Oficiais dos Bombeiros Militares –AOBM –, se manifestaram, publicamente e perante o CNJ, reconhecendo a importância da Justiça Militar.
Há um forte compromisso social nessas manifestações e um sentido prático: a Justiça Militar possui mais de um milhão de jurisdicionados no território nacional e esses jurisdicionados, além de sujeitos à Justiça comum, podem ser autores ou vítimas, em situações especiais, decorrentes das disposições de regulamentos disciplinares e do Código Penal Militar, sujeitos processamento nesta Justiça Especializada, que, já estruturada, moderniza-se constantemente, agora buscando um nivelamento nacional, para um processamento célere dos feitos e julgamentos de qualidade.
AOPMBM – Quais são os projetos para o TJMMG, nesta atual gestão?
Cel Sócrates: A Justiça Militar do Estado de Minas Gerais possui um planejamento estratégico quinquenal e nossas iniciativas empreendedoras estão vinculadas a ele de forma que tenhamos um percurso seguro, sem retrabalho e balizado pelos princípios administrativos, sem perder o foco.
No último período, de 2010 a 2014, a Justiça Militar, entre outros projetos e programas, reduziu o tempo de processamento das ações, transferiu sua sede e aprimorou sua estrutura tecnológica.
Agora, em 2014, pretendemos implantar o Processo Judicial Eletrônico e o sistema de videoconferência, bem como estabelecer e aprovar o planejamento para os próximos cinco anos.
Nesta gestão, será, como sempre foi, indispensável a ajuda e o costumeiro apoio de todos, para darmos muitos outros passos, à frente, sem retrocessos, avançando nos projetos em andamento e abertos a novas iniciativas.
Já aprimoramos processos administrativos e temos uma política de renovação tecnológica, tudo já se refletindo na melhoria da prestação jurisdicional, como, por exemplo, na eficiência da Justiça de 1º Grau cujo processamento das ações vem superando as metas estabelecidas. Até porque, já dispondo dessas estruturas e ferramentas, não podemos descansar, temos que perseverar no aprimoramento da gestão.
Já estamos trabalhando nessas três frentes, observando as orientações do CNJ, com a participação dos demais Tribunais de Justiça Militar e de todos os parceiros e colaboradores. Atribuímos destaque especial à parceria com o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – TJMG –, dirigido por desembargadores que conhecem a importância da especialização na prestação jurisdicional, do incremento da tecnologia e da necessidade de seguirmos juntos em direção à qualidade desejada na prestação jurisdicional, especialmente em Minas Gerais.
Ademais, da mesma forma que as questões levantadas pelo CNJ são conjunturais e nacionais, também são as orientações de soluções e estamos diretamente alinhados a este quanto às iniciativas empreendedoras.
Em nível operacional, para atingir os objetivos mais amplos, estamos reorientando procedimentos; implementando rotinas ainda mais racionais; continuando na implementação de uma nova cultura na Justiça Militar; fortalecendo a austeridade, que historicamente já nos caracteriza, com as boas práticas, a facilitação do acesso à informação pública e a transparência dos atos administrativos e judiciais.
Busca-se praticidade. De forma participativa, estabelecemos metas objetivas e desafiadoras que já estão proporcionando uma evolução daquilo que já se faz de melhor, sem esquecer as condições de trabalho daqueles que irão empreender as ações, nosso maior patrimônio.
Observamos, nesse contexto, que um novo paradigma se apresenta e exige a atualização de cursos para qualificação dos servidores e magistrados.
Por exemplo, no escopo de melhor enfrentar os desafios que virão com o Processo Judicial Eletrônico – PJe –, criamos o Conselho Gestor do Processo Judicial Eletrônico, com o objetivo de conduzir, de forma centralizada, todos os trabalhos, principalmente pela necessidade de envolver os parceiros como a Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Advocacia-Geral do Estado, como também de promover treinamentos e requalificações.
AOPMBM – Qual o entendimento dos membros do TJMMG quanto a PEC 51, em tramitação no Senado Federal, que versa sobre a desmilitarização das Corporações Militares dos Estados?
Cel Sócrates: Preliminarmente, entendo que as proposições legislativas são, em última análise, a manifestação dos representantes da sociedade, partindo-se da iniciativa de alguns para a análise e a discussão por muitos, de forma a se aproximar, ao final, do reflexo da vontade popular. Consolidadas em lei, possuem potencial para gerar mudanças no contexto geral ou para legitimar uma conformação já estabelecida.
Ocorre que as proposições enfrentam dificuldades homéricas para refletirem essencialmente a vontade de toda a sociedade. Por isso, especialmente aquelas proposições relacionadas a temas mais complexos são as que exigem uma discussão mais ampla, envolvendo todos os segmentos, e permitindo-se aprofundar na reflexão de suas finalidades e repercussões na vida da comunidade.
Nessa abordagem da discussão ampla com todos os segmentos, entendo que devo emitir minha opinião. Por princípio, julgo que toda e qualquer proposta que venha a contribuir com a melhoria do sistema de defesa social no País deve receber o nosso apoio, quando fundada em argumentos sérios e impessoais, e fruto de profundo exame e conhecimento da realidade.
No entanto, nem todos sabem do histórico de proatividade da nossa Polícia Militar, de tal forma que seria ideal até que cada um dos cidadãos se fizesse representar nessa discussão, por meio de iniciativas populares, plebiscitos e referendos, embora saibamos que não é este o caso.
Nessa busca da efetividade, em Minas Gerais, há alguns anos, por iniciativa do então Comando-Geral da PMMG, foi concebida a existência de um Sistema de Defesa Social e criado um Conselho de Defesa Social.
Repita-se, essa sugestão nasceu na caserna, no Quartel do Comando-Geral de sua Força Pública, a Polícia Militar de Minas Gerais, organização fundada nos princípios inabaláveis da hierarquia e disciplina, vigas mestras de sua atuação, com prestação de serviço de natureza civil, vocacionada a bem servir à população das Minas Gerais, por mais de dois séculos.
Com a experiência acumulada em mais de trinta anos de trabalhos relacionados ao tema e na condição de cidadão, afirmamos que atribuir as mazelas de nosso tecido social, no campo da segurança pública, à existência da Polícia Militar é, no mínimo, desconhecer que, precisamente por sua natureza militar, é que essa polícia é ponto de referência em gestão pública, mormente em nível de planejamento estratégico.
Importa dizer que o substantivo estratégia define-se, precisamente, pela ciência das operações militares, como combinação engenhosa para se conseguir um fim.
Portanto, ao propor-se a desmilitarização, com a previsão da existência de “polícias”, não se busca necessariamente criarem-se condições para se minimizar e/ou solucionar o grave problema da insegurança pública, evidenciando-se, neste aspecto, o caráter conservador da proposta, pois isso não traria, efetivamente, alternativa de solução, apenas rearranjo institucional, sem nenhuma garantia de efetividade. Muito antes pelo contrário, a nosso sentir.
Assim, a condição de instituição militar funda-se na garantia da manutenção de seus pilares básicos de sustentação, que são, precisamente, a hierarquia e a disciplina. Suas ações, contudo, são de natureza civil e com excelentes resultados, tais como a adoção da Polícia Comunitária, a instituição dos Conselhos Comunitários de Segurança Pública – Consep –, a implantação da filosofia dos Direitos Humanos, dentre outros.
AOPMBM – Qual o entendimento do senhor sobre o Código de Ética e Disciplina dos Militares de Minas Gerais e sua aplicação?
Cel Sócrates: Particularmente, entendo Ética como ciência que tem como objeto de estudo a moral. Neste sentido, penso que a matéria da qual cuida a Lei Estadual n. 14.310, de 20 de junho de 2002, que dispõe sobre o Código de Ética e Disciplina dos Militares do Estado de Minas Gerais, em face de sua finalidade, mais se amolda à espécie tratado deontológico, precisamente por conter o conjunto de deveres e regras de natureza ética de uma classe profissional, no caso, a classe dos militares do Estado de Minas Gerais.
A propósito, é bom que se diga, a classe é única, contudo, hierarquicamente organizada em postos e graduações. Neste mister, evidencia-se, como conclusão inexorável, que a hierarquia, “antes de servir para criar divisões, serve para definir responsabilidades”.
Como instituições militares, a Polícia Militar e o Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais têm na hierarquia e disciplina suas vigas mestras, razão pela qual impõe-se a sua normatização em nível legal, como instrumento legítimo e democrático de seu controle.
Entendemos que todas as instituições, entre elas as militares, são dinâmicas, como é a vida.
De tal forma, a legislação que trata dos direitos e deveres dos militares experimentou uma acentuada evolução a partir da apresentação do Projeto de Lei n. 1.439/2001 que, em comparação com a legislação anterior contempla “[…] as modernas tendências de administração de recursos humanos, primando pela valorização profissional dos militares estaduais, assegurando, contudo, os princípios institucionais da hierarquia e disciplina, indispensáveis à eficácia e eficiência das duas instituições, e buscando disciplinar, sobretudo, em razão da proficiência operacional, as relações dos militares estaduais com a comunidade a que servem”.
Transcorreram-se 12 anos desde sua aprovação e no dinamismo da vida, quero buscar no próprio Código de Ética os valores perenes os quais as legislações, nova, antiga e, quiçá, inovadoras devem preservar, por serem indispensáveis no militarismo: a camaradagem; a harmonia nas relações sociais, familiares e profissional; a cortesia, o respeito, a confiança e a lealdade para com os indivíduos, a instituição e a coletividade.
AOPMBM – Muito se comenta e de forma distorcida sobre supersalários no TJMMG, pouca produtividade e justiça protetiva para com os militares. O que o Senhor pode esclarecer aos nossos leitores?
Cel Sócrates: Esclareço que os salários de todos os que labutam no TJMMG, magistrados ou não, estão sob o pálio da lei, tendo como fundamento de validade a nossa Lei Maior.
Por isso, alguns comentários, como temos percebido, constituem-se em críticas descompromissadas com a verdade. Ao dar destaque a questões pontuais, não se comenta que o salário inicial de um servidor do judiciário está em torno de três mil reais.
Da mesma forma, é fruto de desconhecimento afirmar que a produtividade da Justiça Militar é baixa ou que ela seja uma justiça dos militares. Somos uma justiça democrática.
Isso porque, a Justiça Militar reafirma, que o servidor público militar, não obstante utilizar farda e ser autorizado a portar armas, é um igual perante a lei, e a Justiça Militar é um ramo especializado que assegura essa premissa.
Suas características traduzem que a justiça castrense está a serviço do cidadão, civil ou militar, indistintamente. Além disso, sendo exigido do militar estadual um esforço cada vez maior na prevenção e na repressão à criminalidade é indispensável que se assegure a esse profissional um julgamento célere e de qualidade.
A própria estrutura física da sede da Justiça Militar já reflete nossa preocupação com a qualidade da prestação jurisdicional. Nela, há espaço destinado à OAB, à Defensoria Pública, ao DEEAS e, logo no térreo, destinamos uma sala para reunião do militar sub judice com seu defensor e, mesmo, com representantes das entidades de classe.
Nesta justiça democrática, que analisa questões relacionadas ao militar estadual (este, normalmente, fardado e armado atuando em nome do estado), o tempo de processamento dos recursos é menor que 120 dias e as prescrições tendem a zero.
Por tudo isso, preservando o indeclinável dever de garantir a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, insculpido em seu art. 1º, inciso III, está-se consciente, nesta Casa, de que o juiz, como servidor da justiça, é chamado a tratar e julgar a condição daqueles que, com confiança, se dirigem a ela. Em nosso caso, repita-se, isso significa promover uma justiça célere, isenta e de qualidade, sem nenhum pré-conceito ou corporativismo.
A Justiça Militar, como dito, é, de fato, uma justiça democrática, constatação esta que tem por um de seus fundamentos a própria estrutura do nosso principal órgão julgador, o escabinato – concebido pela materialização do princípio do juiz natural –, no qual se integram segmentos da sociedade plural, legalmente representada por Juízes de Direito de carreira, por membro do Ministério Público, pela classe dos Advogados e por Juízes Militares, buscando-se interpretar a ideia expressa na legislação, aplicando esta ao caso concreto, decidindo-se com altruísmo, segundo seus entendimentos e convicções.
Exsurge, pois, que a atuação da Justiça Militar ao mesmo tempo em que fortalece os efeitos positivos da hierarquia e da disciplina militares, minimiza sua deturpação reorientando sua prevalência iluminada pela liberdade e a segurança da lei.
Ademais, nesse diálogo sobre eficiência, poder-se-ia sair do argumento de existência para adotarem-se parâmetros objetivamente comparáveis, ponto a ponto, com inúmeros outros órgãos e mensurar, por exemplo, custos/benefício e eficiência. Os dados estatísticos do sistema “Justiça em Números” e a transparência possibilitam essa abordagem, de forma clara, objetiva e isenta.
AOPMBM – Quais são os valores imprescindíveis que a Justiça Militar agrega às Instituições Militares Estaduais?
Cel Sócrates: Inquestionável é a certeza da seriedade da Justiça Militar, exemplar no cumprimento de sua missão constitucional e democrática.
Com sua existência e atuação, esta justiça efetiva processamentos céleres das ações e julgamentos de qualidade, assegurando direitos constitucionais, sociais, coletivos e individuais, mesmo atendendo a expectativas relacionadas à “saúde” das nossas instituições e da comunidade, quer seja assegurando ao militar que observe o cumprimento das leis sua liberdade ou à sociedade e à instituição militar, em caso diverso, a certeza do afastamento da sensação de impunidade.
Assim, como uma Justiça Especializada e autônoma do Poder Judiciário brasileiro, a Justiça Militar é indispensável ao Estado Democrático de Direito e, corresponsável pela paz social, pela observância da hierarquia e garantia da disciplina das organizações militares. É essa, de maneira bem resumida, nossa contribuição.
No entanto, mesmo devido a esse compromisso amplo, agora falando de uma forma geral e não somente com relação aos militares, não se apresenta desarrazoado alguém vincular o papel das Justiças Militares com a Segurança Pública. Entendemos ser coerente: quando as ideologias estão esmaecidas; quando a violência grassa e recrudesce em ações isoladas; ou, quando movimentos de massa confundem estudiosos, não facilitam uma explicação e desafiam soluções reativas, é compreensível identificar o que é visível e o que, normalmente apresentaria soluções aparentemente imediatas.
No entanto, nesse contexto, é importante notar que o Estado Democrático de Direito presume a coexistência harmoniosa do interesse coletivo e individual, prevalecendo o primeiro de forma proporcional e razoável, à vista de que o indivíduo também deva ter suas liberdades e prerrogativas individuais garantidas.
Nesse cenário, cada indivíduo e todos os atores sociais devem estar preparados a repensar suas soluções tradicionais em face desses novos fenômenos e do cidadão do século XXI, trabalhando respostas eficientes e efetivas.
A própria Gestão da Justiça Criminal permite repensar a importância e o alcance da aplicação da pena, com relação à recuperação do réu, no que diz respeito a militares, inclusive. Vejamos: após uma experiência, digamos, em um processo no qual seja condenado, o que seria traumático, esse profissional deve sair recuperado para sua atuação na Polícia Militar ou no Corpo de Bombeiros Militar, ou mesmo na vida civil. No caso do militar, a recuperação desejada vai além de não voltar a delinquir, é necessário que ele esteja novamente imbuído do espírito que norteia a atividade: proteger a sociedade com ações positivas, responsáveis, legais.
De ver-se, pois, que decidir de forma favorável à permanência de um militar estadual ou por seu afastamento definitivo de sua corporação é decisão que possui profundos reflexos na manutenção da hierarquia e da disciplina militares, na perenidade das instituições militares, na vida do indivíduo e na sociedade.
Nessa linha de argumentação, resgatamos o conceito de Justiça Restaurativa, conforme consta da Resolução 2002 de 2012 editada pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas: […] entende-se que Justiça Restaurativa se constitua de processos nos quais vítima e ofensor, bem como demais outros indivíduos ou membros da comunidade que foram afetados pelo conflito em questão, participem ativamente na resolução das questões oriundas desse conflito.”
A partir de reflexões dessa natureza, pode-se constatar que decisões desta Justiça Especializada também possuem o condão de contribuir diretamente na formação do conceito de ser militar estadual.
Não por acaso, o constituinte originário previu que, após a condenação pelo crime cometido, o militar deverá ser submetido ao julgamento especial em tribunal competente para avaliar a oportunidade e a conveniência de sua permanência nos quadros das organizações militares.
Tudo isso significa que se deve sopesar reflexos e, ainda mais, deve-se considerar o que seja Justiça Restaurativa em julgamentos bem construídos, nos quais as teses de acusação e de defesa sejam enfrentadas e analisadas em profundidade pelo órgão julgador e se consolide, se for o caso, em uma execução da pena eficiente, correlacionada com a recuperação do condenado. O ideal é que ele nem venha a cometer o delito e persevere na observação do cumprimento das leis, da prática de atitudes solidárias e do compromisso com uma sociedade justa e pacífica.
Por tudo isso, entende-se que a razão de tantas manifestações favoráveis à Justiça Militar, como as que estão acontecendo recentemente, principalmente por parte dos operadores do direito, dos jurisdicionados e de representantes de segmentos da classe (esta sim, única) estejam, então, balizadas pelos valores cultuados nesta Justiça Especializada:
É assim que a Justiça Militar, como uma personagem deste tempo, assume seu compromisso: somos e seremos, cada dia mais, uma justiça democrática.