A RESPONSABILIDADE PELA SEGURANÇA NAS AGÊNCIAS BANCÁRIAS VÍTIMAS DE EXPLOSÕES A TERMINAIS ELETRÔNICOS

Com essas considerações preliminares, surge um questionamento importante a ser feito na busca de resultados que possam vir a sanar essa ferida no contexto da segurança pública brasileira: de quem é a responsabilidade real pela segurança das instituições financeiras, vítimas de tais eventos criminosos?

Para se ter resposta primeiramente cabe uma reflexão das disposições feitas pelo Código Civil brasileiro. Em atenção às transformações jurídicas e principalmente sociais pelas quais a sociedade brasileira tem passado, o Código Civil de 2002, dispõe em seu Artigo 927 e parágrafo único o seguinte:

Artigo 927 => Aquele que, por ato ilícito [art. 186 e 187], causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo.
Parágrafo único – Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Esta previsão, além de reger os efeitos jurídicos dos casos previstos nos artigos 186 e 187 do Código Civil, ao impor o dever de reparação do dano por ato ilícito, tendo como fundamento a culpa [responsabilidade subjetiva], também possibilitou o reconhecimento da responsabilidade independente da indagação de culpa [responsabilidade objetiva], em duas hipóteses:

– a] nos casos especificados em lei;
– b] quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Na procura de completar essa linha de raciocínio, isso na busca dos responsáveis pela segurança das agências bancárias nos casos de explosões a terminais eletrônicos, deve-se observar também a Lei nº. 7102/83, que dispõe sobre segurança para estabelecimentos financeiros, estabelecendo normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências, que prega:

Artigo 1º => É vedado o funcionamento de qualquer estabelecimento financeiro onde haja guarda de valores ou movimentação de numerário, que não possua sistema de segurança com parecer favorável à sua aprovação, elaborado pelo Ministério da Justiça, na forma desta lei.
§ 1º – Os estabelecimentos financeiros referidos neste artigo compreendem bancos oficiais ou privados, caixas econômicas, sociedades de crédito, associações de poupança, suas agências, postos de atendimento, subagências e seções, assim como as cooperativas singulares de crédito e suas respectivas dependências.

Na redação dessa própria lei, mais precisamente no inciso III, do parágrafo 2º, há estabelecido algumas dispensas dos requisitos ao sistema de segurança, exclusivamente para COOPERATIVAS SINGULARES DE CRÉDITO. As cooperativas singulares de crédito são entidades destinadas a estimular a formação de poupança e, através da mutualidade, oferecer assistência financeira aos associados, além de prestar serviços inerentes à sua vocação societária. Em resumo, trata-se de associação cooperada que destina exclusivamente à prestação de serviço de assistência financeira aos seus associados; o que não se compara com a determinação legal para instituição financeira, que é o termo como se denomina hoje em dia toda instituição que tem em sua grade de atendimento o vínculo de instituição de crédito [onde se recebe depósito, faz pagamentos e etc., de correntistas e não meramente de associados cooperados].

Esclarecido isso, uma das imunidades proporcionadas pela lei, nas questões de segurança, exclusivamente para as cooperativas singulares de crédito, é a dispensa de contratação de vigilantes, no caso, em que isso, inviabilize economicamente a existência do próprio estabelecimento [Lei nº. 11.718/08]; ainda na Lei nº. 7102/83 tem-se que:

Artigo 2º => O sistema de segurança referido no artigo anterior inclui pessoas adequadamente preparadas, assim chamadas vigilantes; alarme capaz de permitir, com segurança, comunicação entre o estabelecimento financeiro e outro da mesma instituição, empresa de vigilância ou órgão policial mais próximo; e, pelo menos, mais um dos seguintes dispositivos:
I – equipamentos elétricos, eletrônicos e de filmagens que possibilitem a identificação dos assaltantes;
II – artefatos que retardem a ação dos criminosos, permitindo sua perseguição, identificação ou captura; e
III – cabina blindada com permanência ininterrupta de vigilante durante o expediente para o público e enquanto houver movimentação de numerário no interior do estabelecimento.

Concluído esse primeiro ponto, surge, então, outra indagação: o que é realmente uma instituição financeira? Ora, em resposta, tem-se que, atualmente o termo “banco” não mais sintetiza o contexto moderno de estabelecimento de financeiro – sintetiza apenas o depósito de valores –, sendo a expressão “instituição financeira” a que mais caracteriza e aponta estabelecimentos que recebem depósitos, guardam e gerenciam valores, além de funcionar como instituição de crédito.

Nesta concepção o jurista Arnoldo Wald leciona que:

“Atualmente, o conceito de banco foi substituído ou complementado pelo de instituição financeira, ou até de conglomerado financeiro, cuja função no mercado é o exercício do crédito sob as suas novas e sofisticadas formas, das quais o recebimento de depósitos em dinheiro e sua aplicação é uma das mais antigas, mas não a única”. [1]

Com tais esclarecimentos, vem em pauta o real objetivo deste Artigo, qual seja o de esclarecer de quem é objetivamente a responsabilidade em virtude das explosões dos terminais de caixas eletrônicos, mesmo que fora do horário de expediente bancário.

Assim… Deve-se também, em análise geral, verificar o sentido amplo da ‘Teoria do Risco’, preceituada pelo Código Civil; nesta ótica, ao discorrer sobre a adoção da Teoria do Risco pelo Novo Código Civil, Carlos Roberto Gonçalves adverte que:

“A inovação constante do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil será significativa e representará, sem dúvida, um avanço, entre nós, em matéria de responsabilidade civil. Pois a admissão da responsabilidade sem culpa pelo exercício de atividade que, por sua natureza, representa risco para os direitos de outrem, de forma genérica como consta do texto, possibilitará ao Judiciário uma ampliação dos casos de dano indenizável”. Na sequência, conclui: “E que maior será o risco da atividade conforme o proveito visado. Ademais, se houve dano, poder-se-á entender que tal ocorreu porque não foram empregadas as medidas preventivas tecnicamente adequadas”. [2]

Veja então que, por lógico, se ocorrem tais eventos criminosos; estes mesmos ocorrem justamente porque não são empregadas as medidas preventivas de segurança que ali deveriam estar sendo empregadas, e que são responsabilidade exclusiva das instituições financeiras.

Ultrapassadas as interpretações levadas à questão dos ‘casos especificados em lei’, o que resta saber é qual foi a intenção da Casa Legislativa com a colocação da palavra “atividade”, vez que os dicionários possibilitam extrair vários sentidos para a palavra, tais como qualidade ou estado de ativo, ação, diligência, energia, trabalho, meio de vida, profissão, ocupação, função.

Nas palavras de Sérgio Cavaliere Filho, tal atividade, prevista no Código Civil, seria:

“conduta reiterada, habitualmente exercida, organizada de forma profissional ou empresarial para realizar fins econômicos”. [3]

Esse mesmo é entendimento de Alvino Lima, ao lecionar que:

“A teoria do risco não se justifica desde que não haja proveito para o agente causador do dano, porquanto, se o proveito é a razão de ser justificativa de arcar o agente com os riscos, na sua ausência deixa de ter fundamento a teoria”. [4]

A RESPONSABILIDADE DE FATO:

Feitas as exposições citadas, percebe-se que, muito além da “culpabilidade” buscada pela sociedade apenas nas ações do Estado, mais precisamente na imagem da Polícia Militar, a RESPONSABILIDADE DE FATO pela segurança dos estabelecimentos financeiros, mesmo nos horários em que não há atendimento, não é dos órgãos de segurança estatal.

As instituições financeiras, além da prestação de serviço para seus clientes, também têm responsabilidades perante a sociedade de modo geral. Neste aspecto, as regras são claras: quando se tem um ponto de atendimento [pode-se ler, caixa eletrônico] em praça pública, a responsabilidade, inicialmente, pela segurança é do Estado [Estado, como União]; por outro lado, quando se tem pontos de atendimento dentro do próprio estabelecimento, a responsabilidade pela segurança É EXCLUSIVA DO PRÓPRIO ESTABELECIMENTO; ou seja, cada estabelecimento financeiro tem a obrigação de manter segurança em suas dependências, inclusive nos horários que não estão funcionando – e quando se diz SEGURANÇA, está se falando de todos os meios possíveis de garantias. Em resumo: o Estado, na figura da Polícia Militar [policiamento ostensivo], não presta serviço particular de segurança às instituições financeiras, não sendo o policial militar vigilante bancário, tendo o mesmo, outras responsabilidades no contexto da segurança como um todo.

Esclarecido isso, cabe ainda detalhar que, todas as instituições bancárias cobram como prestação de serviço e manutenção de conta, uma taxa mensal. Fracionada nessa taxa, existe uma parte que é direcionada à segurança. Partindo desse princípio, na verdade, existe uma lógica draconiana e maléfica por parte das instituições financeiras, para com a sociedade: para uma instituição financeira é preferível ser assaltada, a manter canais competentes de segurança. Sim, é uma verdade; pagando por um sistema de segurança tais instituições deixaram de contabilizar lucros – lembrando que são os próprios clientes quem pagam –, porém em sendo “vítimas” de um assalto, a instituição financeira não terá qualquer prejuízo, já que, serão as seguradoras, estas do próprio Estado, quem pagará pelo prejuízo causado no evento criminoso; ou seja, todos nós, os contribuintes.

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº. 488.310 – RJ [2002/0170598-3], com Acórdão publicado em 22 de março de 2004, sendo Relator o então Ministro Ruy Rosado de Aguiar, que assim resumiu seu voto:

“O critério da razoabilidade invocado pelo recorrente leva à conclusão de que o estabelecimento comercial que se beneficia com a instalação de caixas eletrônicos, o que também serve para facilitar os seus negócios, angariar clientes e diminuir gastos, deve responder pelo risco que decorre da instalação desses postos, alvo constante da ação dos ladrões. Isto é, o risco é criado pela instalação do caixa e por ele deve responder a empresa. Segundo o novo Código Civil, trata-se até de responsabilidade objetiva [Art. 927, § único, do Código Civil]”.

Em outro Recurso Especial, o de número 402.870 – SP, do mesmo STJ, o Ministro Almir Passarinho, acompanhando o voto do Relator Ministro Fernando Gonçalves, assim se posiciona:

“Efetivamente, como assentado acima, estou em que não há responsabilidade da instituição bancária se o ato lesivo ocorreu na via pública, eis que cabe ao Estado e não ao particular a segurança da área, inexistindo norma legal que estenda ao último, tal ônus. Mas a situação em comento se me afigura distinta daquela que então identifiquei no precedente acima transcrito, o que me leva a solução diversa. Verifica-se, portanto, que o assalto se desenrolou dentro do estabelecimento bancário, ainda que fora do horário do expediente, mas, pelas instalações internas e segurança dos usuários responde o réu, sem dúvida. Não foi na via pública, circunstância que me levaria, em princípio, salvo alguma peculiaridade, a decidir diferentemente. Por igual restou firmado que não houve culpa concorrente da vítima”.

CONCLUSÃO:

Apesar da Lei 7102, de 20 de junho de 1983, ainda válida, não se referir expressamente aos equipamentos de terminais eletrônicos, a mesma é muito clara com relação a segurança dos estabelecimentos financeiros em que haja guarda ou movimentação de valores. Estes deverão considerar dispositivos de segurança ao livre acesso de seus clientes, e mesmo da população em geral; portanto, em áreas em que a instalação bancárias, as próprias instituições financeiras proprietárias deverão adotar medidas de segurança que se destinem à proteção do seu cliente, dos seus bens, além é claro da população que por ali frequenta.

Neste mesmo sentido, o critério constitucional da razoabilidade leva à conclusão que as instituições financeiras, que se beneficiam com a instalação de caixas eletrônicos, ou postos de atendimento bancário, que serve para facilitar e alavancar os seus negócios, angariar clientes e diminuir seus gastos, devem responder pelo risco que decorre da instalação desses postos, alvos constantes da ação de criminosos. Isto é, o risco é criado pela instalação do ponto de atendimento, cujo único beneficiado economicamente, é a própria instituição e, por lógico, esta quem deve responder por sua segurança, o que segundo o Artigo 927, do Código Civil, trata-se até de responsabilidade objetiva.

Referências:
[1] WALD, Arnoldo. O Novo Direito Monetário. 2. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, pág. 186.
[2] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 25.
[3] DIREITO, Carlos Alberto Menezes; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Comentários ao novo código civil. Das preferências e privilégios creditórios, art.927 a 965. Vol XIII. p.148.
[4] LIMA, Alvino. Culpa e Risco. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998. p. 198.
 
Autor:
Eder Machado Silva – Bacharel em Direito e Filosofia, com pós-graduação em Direito Processual Civil e Direito Militar.
Sargento da PMMG – Associado AOPMBM.

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