ARTIGO CEL AMAURI MEIRELES – PLANO DE SEGURANÇA PÚBLICA
O governo Temer, através do Ministro da Justiça, antecipou, dia 05/01, propostas do Plano Nacional de Segurança Pública, que, durante o mês de janeiro, deve receber sugestões dos governos estaduais.
De início, é oportuno frisar que não temos políticas públicas de Estado, bem definidas, para essa área. Dessa forma, constata-se que este plano, a exemplo de outros já produzidos, se restringe a elencar uma série de operações visando à intervenção em problemas pontuais, que estão afligindo a população nessa inquietante conjuntura.
Por outro lado, é absolutamente necessário observar que não se trata de um plano para o vastíssimo campo da defesa social (que uns confundem com segurança pública), porque foca procedimentos para atacar e minimizar problemas restritos tão somente ao peculiar corner da violência da criminalidade (que outros nominam segurança pública). Enfim, visto seu conteúdo, objetivo, operacionalização e metas, objetivamente, sem se adentrar em debate conceitual, trata-se de um plano para mitigar a criminalidade, particularmente a violenta.
Não chega a ser “extremamente realista”, como afirmou o ministro, pois se se aguardam contribuições dos Estados, é porque há a presunção de insuficiência e, também, porque várias respostas a essa expressiva elevação da espiral da violência criminal extrapolam a área de competência do Ministério da Justiça (MJ).
Por isso, planos, que ali têm origem, priorizam soluções para ameaças que, agora, estão ocorrendo, isto é, fixam procedimentos para enfrentar o “que” está acontecendo. Lamentavelmente, o ambiente de insegurança pública não vem sendo tratado como um problema plurissetorial, que exige intervenção simultânea da maioria dos órgãos governamentais, dos três poderes, para identificar vulnerabilidades e corrigir o “por que” está ocorrendo.
Se o problema a ser analisado é multifacetado, evidentemente exige intervenção de outros órgãos e de profissionais especializados. Portanto, o plano em questão não deve ser elaborado, apenas, pelo MJ, que não tem a menor ação sobre várias outras causas, sobre fatores geradores da insegurança. Assim, a coordenação dos trabalhos deveria ficar com o Ministério da Defesa ou Gabinete de Segurança Institucional (até que se tenha o Ministério da Segurança Pública – aqui cabe este nome – visto que se trata de uma operação nacional, de combate a causas e efeitos. E, ratifica-se, o MJ tem ação, apenas, sobre parte dos efeitos.
Na realidade, o lançamento de (mais um) plano de segurança gera uma esperança, uma expectativa, um alento na população. Quando cai o pano, quando se constata que é um rol de analgésicos, de paliativos, ressurge o sentimento de frustração, a percepção de que decantadas ações apenas aceleram a corrida atrás do rabo!… Brincadeira de gato e rato: aumenta a estatística criminal, crescem os clamores (aumento de efetivo policial, de viaturas, de construção de presídios, de penas mais duras, de redução da maioridade penal, de implemento e incremento de recursos tecnológicos e, até, de pena de morte) e o governo libera dinheiro (até então, contingenciado) para ações presumidamente impactantes, dentro do pressuposto de que reduzirão a sensação de insegurança.
Porém, o cotidiano nos mostra que a fábrica de horrores, a fonte geradora dessa calamidade social continua sua produção nefasta, funérea, pois continua intacta. Não há vontade política e, consequentemente, não há um mutirão, um plano de ação para atuar sobre as causas da violência. Se não há investimento para mitigar causas, com certeza haverá gastos para combater efeitos.
Vejam-se os três eixos centrais do plano: redução de homicídios dolosos e da violência contra mulher; combate integrado à criminalidade; racionalização e modernização do sistema penitenciário.
A limitada área de competência do MJ não permite exame e tratamento do problema como um todo (não aborda causas) e, como sempre, temos o mais do mesmo. Certamente os eixos foram eleitos em decorrência de algumas realidades fáticas: nosso país é extremamente violento; existem regiões que estão fora de controle do Estado; armas de guerra entram em grande quantidade pelas fronteiras (a FDN utiliza a fronteira norte para enviar armas e drogas dos países vizinhos para o sudeste; o PCC controla a fronteira com o Paraguai); a legislação brasileira é extremamente branda e, mesmo assim, são mais de 600 mil presos e quase 500 mil mandados de prisão em aberto; o índice de apuração de homicídios é pífio, mas a maioria tem envolvimento com drogas; não se prendem hoje portadores de droga; prisão de traficante com pequena quantidade pode ser justificada pelo fato de ele pertencer a uma grande organização criminosa.
Um abrangente plano, residualmente, pode melhorar a imagem degradante de um país demasiadamente violento. E é violento porque parte significativa do povo não obedece às regras sociais e nem respeita os valores sociais, em razão de ser sem Educação, literalmente, pois não a obteve nos bancos escolares. Por mais de uma vez já escrevemos que o governo deve investir na “Educação Integral em Escola Integrada”. E, antes de tudo, nos educadores, para que voltem a ter participação fundamental na formação de caracteres de nossas crianças. Moldadas, constituir-se-ão em efetivos cidadãos no futuro, com afetuoso contato com as famílias, solidário contato com a sociedade civil e amistoso contato com o Estado, que lhes deve dar capacitação, oportunidades e proteção.
Quanto à significativa parcela da geração atual (parte dessa safra, muitos acham estar perdida), trata-se de um extraordinário desafio a ser vencido por assistentes sociais. São eles que podem identificar locais de distopia estatal (funcionamento anômalo ou ausência de órgãos públicos basilares) e ajudar a minimizá-la, priorizando o
trabalho com crianças em situação de risco (e suas famílias) e com adolescentes em conflito com a lei.
Em relação à racionalização e modernização do sistema de execução penal administrativa (a desorganização começa na variação de nomenclatura, que pode ser sistema penitenciário, sistema carcerário, sistema prisional, sistema penal) seria interessante ouvir os agentes, os que estão na ponta da linha e sabem, de fato, que providências devem ser tomadas. No plano em questão, constam programas para os presos, mas não há projetos para os agentes. Duas providências devem andar em paralelo: respeitar a dignidade do preso (começando pela desumana superlotação) e fortalecer a autoridade do agente penal (que se inicia com o reconhecimento de que sua atividade é de Polícia Penal). O que se observa é que, finalmente, as autoridades estão descobrindo que, em havendo falhas nesse sistema, todo o esforço despendido na contenção e na persecução penal estará perdido, em trabalho e em recursos. Pressupondo que efetivamente não ocorrerão os perniciosos contingenciamentos e que construção de um presídio pode demorar mais de dois anos, é absolutamente interessante eleger a utilização de recursos tecnológicos e a ampliação da rede de inteligência, integrada por todas as polícias (inclusive, obviamente, pela Polícia Penal), com uma central de coordenação, cuja atuação se estenderia até nossas fronteiras. É triste reconhecer que, observadas as devidas proporções, o compartilhamento de informações na “rede criminosa” é mais efetiva que na “rede policial”.
Enfim, as autoridades devem entender que, se as causas não forem atacadas, vigorosamente, todo esforço de contenção da criminalidade violenta vai para o ralo. E, para lidar-se com o fenômeno da violência, as operações tapa-buracos simplesmente atenuam, são paliativas (não atuam sobre as causas). Necessitamos de um vigoroso e prioritário trabalho de pavimentação.
Essa pavimentação chama-se Educação e Assistência Social.